Maricá/RJ,

O HOLOCAUSTO DA VIDA FÍSICA DE JESUS NA TERRA


PERGUNTA: — Desde que Jesus obedeceu a um plano messiânico previamente definido, embora aceito por livre vontade, antes de descer à matéria, orientando-lhe todos os passos e ações para um fim inexorável, houve um certo determinismo quanto à sua crucificação e morte, não é assim?

RAMATÍS: — O determinismo a que Jesus se submeteu consistiu no fatalismo dele aceitar incondicionalmente todos os sacrifícios inerentes à sua tarefa messiânica junto aos homens. O holocausto de sua vida física, motivado pelos conflitos morais e reações dos interesses do mundo, era um epílogo tão admissível ou fato inevitável, como o de alguém ao pretender salvar a sua família cercada pelas labaredas de um incêndio e aceitar resignadamente o fatalismo de morrer queimado entre as chamas. Jesus, portanto, decidira-se mergulhar nas chamas das paixões animalizadas desencadeadas na face da Terra, para salvar a sua família, representada pela própria humanidade!
E' indubitável que, mesmo depois de encarnado e em face de seu livre arbítrio, Jesus tinha o direito de recusar-se a cumprir a tarefa aceita espontaneamente no reino do Espírito. Mas as virtudes de retidão, abnegação e sacrifício absolutos de seu amor ao próximo e além de si mesmo, eram atributos morais de tal superioridade em sua consciência espiritual, que jamais o induziam a fugir de sua missão! Os Mestres do orbe tinham certeza de que a sua graduação sideral e dinâmica espiritual eram garantia suficiente para fazê-lo cumprir integralmente a vontade do Senhor na face da Terra!
Jesus, seus discípulos, apóstolos e fiéis amigos atuaram no momento exato e decisivo, da necessidade psicológica dos terrícolas, de acordo com a visão dos Mestres siderais e em consonância com o ambiente moral, social e religioso da época. Todos os espíritos ligados ao Mestre Nazareno e participantes do advento do Cristianismo eram peças escolhidas com a devida antecedência visando a mais proveitosa movimentação no plano redentor da humanidade. Mas embora se tratasse de entidades submissas ao compromisso de sacrificarem a própria vida, na carne, em benefício da redenção humana planejada por Jesus, a sua graduação moral e espiritual não os livrava de certas deficiências próprias do espírito humano, e de modo algum podiam igualar-se à fulguração sideral do Espírito de Jesus!

PERGUNTA: — Mas é evidente que se a divulgação do Cristianismo na Terra ficou adstrita a um prazo determinado, isso confirma a existência de um plano irrevogável do Alto. Não é assim?

RAMATÍS: — Realmente, o plano da obra liderada por Jesus era ''irrevogável"; e jamais deveria ser modificado após a convocação antecipada de seus cooperadores e do seu ajuste aos destinos humanos na face do orbe. Era algo parecido com um jogo de xadrez esquematizado com a devida antecedência, onde qualquer movimento precipitado ou diferente das peças marcadas no esquema causaria modificações e novos reajustes.
Mas, apesar do plano do Cristianismo ser irrevogável, os seus elementos eram livres e podiam recuar ou alterar suas posições mesmo na hora de sua comprovação espiritual no esquema traçado pelo Alto. Sem dúvida, as suas figuras de maior realce na obra cristã, como Pedro, João, Paulo, Batista, Maria de Magdala, Tome, Mateus, José, Maria, José de Arimatéia, Tiago Maior e Tiago, filho de Alfeu, deveriam cumprir a promessa feita antes de suas encarnações, a fim de não desorientarem o rumo messiânico de Jesus. A obra cristã não exigia gestos, atitudes estandardizadas ou abdicação das vontades humanas em face do seu rumo fatalista, mas requeria a manifestação das qualidades e dos sentimentos naturais dos seus participantes como um testemunho moral superior e de garantia no futuro.
Também não se tratava de um "enredo teatral" exigindo de cada personagem a sua entrada no momento propício e conforme a "deixa" do diretor; mas, em verdade, Jesus convocara espíritos amigos e heroicos, para testemunharem livremente em favor do Cristianismo. Mas todos eram livres em suas ações; e a prova disso é que alguns não se mantiveram à altura do seu compromisso espiritual na hora de sua ação; outros recuaram, amedrontados, bem antes do seu testemunho.
O próprio colégio apostólico estremeceu na hora trágica da prisão e da crucificação do Mestre Jesus; Pedro, interrogado pelos esbirros do Sinédrio, negou a sua condição de discípulo; Tiago, filho de Alfeu, precipitou-se para a primeira sinagoga e ali se pôs a orar de janelas abertas, numa demonstração de fé veemente a Moisés; Simão Cananeu e Bartolomeu sumiram de Jerusalém; Tome, Felipe e Alfeu cautelosamente buscaram abrigo em casa amiga; Judas já havia se comprometido pelos seus ciúmes e imprudências, servindo de cobaia estúpida aos objetivos maquiavélicos do Sinédrio. Mesmo Gamaliel e Nicodemus, que também deviam participar direta e corajosamente do movimento cristão, cumprindo-lhes o dever precípuo de anotarem os acontecimentos da vida de Jesus para a segurança histórica dos vossos dias, mal deram seus testemunhos em rápidos diálogos e contatos com o Mestre. Os próprios irmãos de Jesus, filhos de Débora e de Maria, eram espíritos incluídos solidamente no esquema do Cristianismo, devendo cercá-lo de uma aura fraterna e afetiva, compensadora das dores do mundo profano. No entanto, afora Tiago, irmão de Maria, fervoroso e confiante; suas irmãs Elisabete e Ana, meigas e amorosas; e Eleazar, filho de Débora, sempre contemporizador; e Tiago, o menor, que chegou a acompanhá-lo nos últimos momentos, os demais irmãos lhe foram hostis. Efrain, o mais rico de todos, chegou a insultá-lo em público, alegando que Jesus não passava de um maníaco comprometendo a própria família com suas ideias perturbadas!
Assim, os Mentores do Orbe ainda tiveram de efetuar alguns acertos, reajustes de última hora e afastar elementos estranhos e perigosos à integridade espiritual da obra cristã, pois só cuidavam dos seus interesses pessoais. No entanto, Jesus conseguiu cumprir o empreendimento messiânico a contento do Alto. E' certo que ele seria fatalmente sacrificado, independente da atitude vil de um Judas, da conveniência política de Pôncio Pilatos, do ódio de Caifaz, e da imprudência sediciosa dos seus próprios discípulos em Jerusalém. Sem dúvida, outros homens do mesmo tipo psicológico, poderosos e corruptos, perseguiriam e crucificariam Jesus, logo que ele lhes fosse entregue indefeso. Porém, Jesus não sabia em "consciência física", qual seria o clímax de sua vida na Terra, embora jamais cessasse o chamado oculto e insistente que se fazia em sua alma, superando-lhe os prazeres da carne e extinguindo- lhe o desejo, por quaisquer bens do mundo.
Era um apelo misterioso e implacável, que lhe despertava um estranho júbilo e o tornava venturoso à perspectiva do martírio em favor do gênero humano. Jamais ele temeu a morte e considerava-se feliz sacrificando-se pela ventura alheia.
Mas depois que se fez discípulo de João Batista e submeteu-se ao batismo no rio Jordão, ele sentiu mais fortemente aquela ansiedade oculta conjugada ao seu Ideal. Ante as sentenças e os anátemas severos que João Batista proferia em suas pregações contra os ricos e os poderosos, censurando os pecados, as paixões e os vícios que mortificam a alma e afastam o homem de Deus, Jesus então percebeu as linhas fundamentais do roteiro que também sonhava realizar na Terra. Jamais opunha dúvida àquela "voz oculta" que o advertia no âmago do ser, instigando-o a uma campanha superior no mesmo estilo das ideias proclamadas por Batista. E então dissiparam todas as suas vacilações e dúvidas.
Porventura ele seria realmente o Cristo (1) tão esperado, conforme lhe dissera João Batista e ouvia das confabulações misteriosas dos seus apóstolos? Mas Jesus, além de ser um Anjo era um Sábio, cuja humildade jamais convenceria de ser o Messias esperado, o Cristo ou o Filho de Deus predito pelos profetas do Velho Testamento. Só os homens cabotinos, sem o senso crítico da noção psicológica que esclarece a mente, é que se arvoram ostensivamente em salvadores dos povos, líderes fanáticos ou eleitos divinos, antes de cumprirem qualquer realização sadia e nobre que os exalte de modo excepcional.
(1) Realmente, Cristo é palavra grega que também equivale a Messias, o Esperado, o Enviado de Israel. Vide João, cap. I, vs. 34 a 41: "E eu o vi, e dei testemunho de que ele é o Filho de Deus". — "Temos achado o Messias (que quer dizer o Cristo)".
Contudo, Jesus ainda ignorava que a poderosa "Voz Oculta" que o impelia estoicamente para a renúncia de sua própria vida em favor do gênero humano, provinha do próprio Cristo Planetário, que a partir da cena do batismo, no rio Jordão, atuava-lhe cada vez mais intimamente fortalecendo-lhe a alma para qualquer desiderato trágico no desempenho de sua missão (2). Dali por diante o Mestre Nazareno firmou-se na caminhada pelo mundo e se deixou conduzir confiante e jubiloso na consecução da obra cristã, em perfeita sintonia com a sua vocação espiritual.
Entregou-se decididamente à pregação da Boa Nova e do "Reino de Deus" e suas palavras e pensamentos saíam-lhe dos lábios num influxo tão intenso e caloroso, que seduziam as criaturas mais ferinas e produziam renovações instantâneas nos seus ouvintes! Muitas vezes ele sentiu-se desligado da própria carne, embriagando-se na efusão espiritual venturosa, que lhe envolvia a alma heroica, assim como lhe acontecera durante o "Sermão da Montanha" e na "Transfiguração" do Monte Tabor.
Deste modo, embora Jesus não tivesse certeza absoluta do fim trágico de sua existência, ele pressentia a necessidade de um sacrifício, que seria o corolário sublime de sua vida.

DO LIVRO: "O SUBLIME PEREGRINO" RAMATÍS/HERCÍLIO MAES - EDITORA DO CONHECIMENTO - 17ª edição.

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